Arcabouço normativo

É preciso descortinar vários planos normativos os quais estão sobrepostos e em relação mútua, coexistindo e formando um todo, o ordenamento jurídico brasileiro. Sendo assim, passaremos da análise dos tratados e convenções internacionais que o Brasil é signatário e incorporou ao Direito interno, às normas do bloco constitucional, transitando por todo o conjunto de Leis lato senso do nosso país, terminando com a consideração acerca das normativas ético-disciplinares (administrativas ou infra legais) atinentes à advocacia e aos advogados brasileiros, incluindo a análise do provimento nº 188/2018 CFOAB.

Tudo isso partindo da perspectiva do que já está posto como Direito positivado.

Quanto ao Direito Internacional, há vasto e antigo tratamento dispensado à efetivação da ampla defesa, sob a ótica da garantia dos “meios e recursos a ela inerentes”. Tal matéria veio disciplinada em diversos diplomas, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966)[1], a Convenção Americana de Direitos Humanos, o conhecido Pacto de São José da Costa Rica (1969)[2], ou ainda o Estatuto de Roma (1998)[3], o qual instituiu do Tribunal Penal Internacional, jurisdição internacional à qual o Brasil está submetido desde 2002.

Sob outra ótica, adentrando no Direito nativo, é preciso observar que muitos dos valores, dispositivos e garantias previstas no tratados internacionais acima mencionados, e outras mais, foram absorvidas pelo texto constitucional de 1988, com posteriores modificações as quais não as sufragaram – pelo contrário.

Sendo assim, pode-se falar que existe um arsenal de argumentos constitucionais que, direta ou indiretamente, remetem à investigação defensiva como um direito-dever do Advogado, e uma garantia fundamental do cidadão acusado pelo Estado sob qualquer pretexto.

Em primeiro lugar, tem-se desde o texto constitucional originário que “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão (…)” (artigo 133, CF)[4]. Esse foi um tratamento de extremo relevo dado pelo Constituinte, o qual deve nortear a visão constitucional do tema.

Como elementos constitucionais fundantes da investigação defensiva, pois, temos a salvaguarda dos princípios da igualdade (artigo 5º, caput, CF[5]), do devido processo legal (artigo 5º, LIV, CF[6]), do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, LV, CF[7]). Ainda, é possível dizer que a segurança pública é direito e responsabilidade de todos (artigo 144, CF[8]), inclusive do advogado no exercício das suas funções.[9]

Ainda há a discussão do sistema processual penal acusatório, adversarial, com divisão clara dos papeis de acusar, defender e julgar, e ainda com a tendência de submeter às partes a iniciativa e gestão probatória. Tudo isso, implicitamente. E daí decorre também a discussão da paridade de armas, pressuposto lógico do sistema acusatório, consectário dos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Aprofundando a análise normativa, descemos ao patamar das leis lato senso, abarcando as normas esposadas nos mais diversos diplomas espalhados pelo nosso ordenamento, com variadas ferramentas jurídicas de diversas áreas – não somente criminal, e com legislações que atravessaram todo o século XX até os idos do século XXI.

Estamos a tratar do Código de Processo Penal de 1941, com suas inúmeras alterações e minirreformas, em dispositivos como a Notitia Criminis (artigo 5º, §3º, CPP) e a Assistência à Acusação (artigo 268, CPP), ou o pedido de Busca e Apreensão (artigo 242, CPP) pelo acusado/ofendido, etc.

Mas também estamos tratando de diversos outros diplomas  como o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei Federal n.º 8.906, de 4 de julho de 1994), a Lei de Acesso à Informação (Lei Federal n.º 12.527, de 18 de novembro de 2011), a Lei de Registros Públicos (Lei Federal n.º 6.015, de 31 de dezembro de 1973), ou ainda a novel Lei de Regulamentação da Profissão de Detetive Particular (Lei Federal n.º 11 de abril de 2017).

Por fim, pretende-se fazer um escrutínio das normas administrativas, emitidas pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, e suas respectivas seccionais. Nesse ponto, almeja-se discutir as normas postas quanto ao Código de Ética e Disciplina da OAB (Resolução n.º 02/2015-CFOAB), o Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB (artigo 54, V e 78, da Lei n.º 8.906/1994), Resoluções, Instruções Normativas e Provimentos, em especial o Provimento n.º 188/2018 – primeiro diploma normativo a tratar especificamente da matéria no Brasil.

Tudo isso em um esforço acadêmico e intelectual da EthosBrasil.org para justificar e fundamentar, em todos os níveis normativos, as atividades relacionadas ao exercício da função investigativa da advocacia brasileira, inclusive se utilizando das ferramentas trazidas pela Revolução 4.0.

[1] Internalizado no Direito pátrio por meio do Decreto n.º 592, de 6 de julho de 1992.

[2] Internalizado no Direito pátrio por meio do Decreto n.º 678, 6 de novembro de 1992.

[3] Internalizado no Direito pátrio por meio do Decreto n.º 4.388, de 25 de setembro de 2002.

[4] “Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”

[5] “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)”

[6] “Art. 5º (…) LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; (…)”

[7] “Art. 5º (…) LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; (…)”

[8] “Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: (…)”

[9] DIAS, Gabriel Bulhões Nóbrega. Investigação defensiva e a busca da paridade de armas no processo penal brasileiro. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n. 304, p. , abr. 2018.

Para iniciar a discussão acerca dos elementos normativos que legitimam, desde logo, a adoção da investigação defensiva no Brasil, é preciso passar à leitura dos tratados e convenções internacionais aos quais o país se submeteu, por meio da assinatura e incorporação no ordenamento jurídico interno.

Já houve uma severa discussão acerca da natureza jurídica das normas internacionais absorvidas, em especial quando se trata de matéria que versa sobre direitos humanos. Dois marcos pacificaram, ainda que momentaneamente, essa questão.

O primeiro deles é a edição da Emenda Constitucional n.º 45, denominada “Reforma do Judiciário”, e promulgada no dia 30 de dezembro de 2004. Essa Emenda à Constituição insere, dentre outros dispositivos, o novel §3º no artigo 5º, corolário dos direitos e garantias fundamentais. Tal artigo prescreve que “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.” .

Sendo assim, quando a matéria detiver conteúdo relativo aos Direitos Humanos, e a norma for incorporada com o rito especial do processo legislativo das Emendas à Constitucional, aquela norma terá valor e integrará o bloco constitucional.

Até o momento, apenas o texto relativo à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, foi incorporada sob este regime.

Por outro lado, quando a incorporação se der com o rito ordinário de processo legislativo, teremos uma segunda situação, fixada com o leading case julgado pelo STF no Recurso Extraordinário n.º 349.703.1/RS, sob relatoria do Ministro Gilmar Mendes. A tese vitoriosa no julgamento foi a de que tais normas possuem caráter supra legal, se sobrepondo ao ordenamento jurídico ordinário interno, e se submetendo ao bloco constitucional.

Com isso, se realizou o exame de convencionalidade a respeito da possibilidade de prisão civil por dívida do depositário infiel (artigo 652[1] do Código Civil de 2002) em detrimento da normativa trazida pelo Pacto de San José da Costa Rica (em seu artigo 7º, item 7[2]) e também no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (artigo 11).[3]

Passando, então, à análise dos diplomas, temos a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) a qual prevê, no bojo do seu artigo XI, o direito de todo acusado lato senso a: “julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”.  Esse “documento é a base da luta universal contra a opressão e a discriminação, defende a igualdade e a dignidade das pessoas e reconhece que os direitos humanos e as liberdades fundamentais devem ser aplicados a cada cidadão do planeta”.[4]

Por outro lado, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966)[5], coroa os direitos a: “dispor do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa” (artigo 14, 3, b) e “obter o comparecimento e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições de que dispõem as de acusação” (artigo 14, 3, e).

Ainda, a Convenção Americana de Direitos Humanos, o chamado Pacto de São José da Costa Rica (1969)[6] determina a: “concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa” (artigo 8, 2, c) e, por fim, o “direito da defesa de (…) obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos” (artigo 8, 2, f).

Por derradeiro, o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional[7] igualmente se preocupa em assegurar aos acusados o direito a dispor do tempo e dos meios necessários à preparação das suas defesas (artigo 67, 1, b), obter o comparecimento das testemunhas de defesa na mesma condição das testemunhas da parte processual acusadora e “apresentar defesa e a oferecer qualquer outra prova admissível, de acordo com o presente Estatuto” (artigo 67, 1, e).

Sendo assim, é notório o tratamento de destaque dado no cenário do Direito Internacional à matéria, sendo assim visual o reconhecimento da importância do Direito de Defesa no plano jurídico externo. Passemos, pois, à análise do Direito brasileiro.

[1] “Art. 652. Seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário que não o restituir quando exigido será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e ressarcir os prejuízos.”

[2] “Artigo 7º – Direito à liberdade pessoal (…) 7. Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.”

[3] “ARTIGO 11 Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual.“

[4] Disponível em: < http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2009/11/declaracao-universal-dos-direitos-humanos-garante-igualdade-social>

[5] Internalizado no Direito pátrio por meio do Decreto n.º 592, de 6 de julho de 1992.

[6] Internalizado no Direito pátrio por meio do Decreto n.º 678, 6 de novembro de 1992.

[7] Internalizado no Direito pátrio por meio do Decreto n.º 4.388, de 25 de setembro de 2002.

Em primeiro lugar, tem-se desde o texto constitucional originário que “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão (…)” (artigo 133, CF)[1]. Este foi um tratamento de extremo relevo dado pelo Constituinte, o qual deve nortear a visão constitucional acerca do tema.

Como elementos constitucionais fundantes da investigação defensiva, pois, temos a salvaguarda dos princípios da igualdade (artigo 5º, caput, CF[2]), do devido processo legal (artigo 5º, LIV, CF[3]), do contraditório, e da ampla defesa (artigo 5º, LV, CF[4]). Ainda, é possível se alegar que a segurança pública é direito e responsabilidade de todos (artigo 144, CF[5]), inclusive do advogado no exercício das suas funções.[6]

Se pode conceber, por outro lado, como argumento de assento constitucional a legitimar o exercício da investigação defensiva no Brasil, o princípio do livre exercício das profissões, previsto no artigo 5º, XIII, CF.[7]

Ainda há a discussão acerca da sistemática processual penal acusatória, adversarial, com divisão clara dos papeis de acusar, defender e julgar, e ainda com a tendência de submeter às partes a iniciativa e gestão probatória. Tudo isso, implicitamente. E daí decorre também a discussão acerca da paridade de armas, pressuposto lógico do sistema acusatório, consectário dos princípios do contraditório e da ampla defesa, tudo isso sendo melhor desenvolvido a seguir.

A paridade de armas no processo penal é uma necessidade democrática a qual visa o aprimoramento das instituições que compõe o sistema de justiça e a observância concreta de direitos e garantias fundamentais. “Tudo isso porque a Constituição Federal instituiu o sistema processual penal acusatório, com a delimitação de papéis bem definidos e que permitem um equilíbrio pela equidistância da acusação e da defesa ao órgão julgador”.[8]

Neste sentido, observe-se a lição de Luigi Ferrajoli, in verbis:

Para que a disputa se desenvolva lealmente e com paridade de armas, é necessária, por outro lado, a perfeita igualdade entre as partes: em primeiro lugar, que a defesa seja dotada das mesmas capacidades e dos mesmos poderes da acusação; em segundo lugar, que o seu papel contraditor seja admitido em todo estado e grau do procedimento e em relação a cada ato probatório singular, das averiguações judiciárias e das perícias ao interrogatório do imputado, dos reconhecimentos aos testemunhos e às acareações.[9]

Há, ainda, uma especial relevância quanto ao aspecto do controle da legalidade nas persecuções penais, quando se lançam novos olhares sobre a forma de atuar dos agentes estatais, desde os integrantes das forças de segurança pública, passando pelos órgãos ministeriais e desembocando no próprio Judiciário.[10] Isso será tratado adiante, em tópico próprio.

  • Segurança Pública como Direito e Dever de todos

Apesar da Constituição Federal enumerar [11]um rol taxativo de órgãos públicos encarregados pela Segurança Pública, a clareza da redação do caput do artigo 144 não deixa margem de dúvidas acerca da amplitude do direito à Segurança Pública e do dever de todos de provê-la.

Da simples redação do citado dispositivo, pode-se observar o alegado, conforme se ver a seguir: “Artigo 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (…)”.

Tem-se clara, pois, a intenção do Constituinte em impor a Segurança Pública não só como dever do Estado, mas também como uma “responsabilidade de todos”. Se pode falar, ainda, da análise dessa redação, que os objetivos fulcrais da Segurança Pública são: i) preservação da ordem pública; ii) preservação da incolumidade das pessoas; e iii) preservação da incolumidade do patrimônio.

Sob todas essas perspectivas, pode-se falar que a investigação defensiva traz um ganho social o qual incrementa o trabalho estatal. Incrementa e, em alguns casos, supre um verdadeiro vácuo institucional existente. Fala-se isso em razão das dificuldades humanas e materiais presentes em muitos dos órgãos públicos encarregados pela Segurança Pública.

Nesse ínterim, não é incomum que, por exemplo, vítimas de crimes não sejam restauradas pelo Estado, seja pela reparação do prejuízo financeiro causado pelo crime, seja pela reparação moral de ver os responsáveis por tais ilícitos serem identificados e alcançados pelo ius puniendi. Para ilustrar isso, basta ver as taxas nacionais de resolução de homicídio (4%) e de crimes patrimoniais (0,5%), o que desestimula até mesmo que o cidadão busque o Estado nessas circunstâncias, pela crença de que não haverá qualquer resposta estatal.[12]

Por outro lado, também é comum se ouvir falar de casos onde houve erro judicial e um inocente passou a ser indiciado, acusado, condenado e cumpridor de pena, quando na verdade outros sujeitos cometeram aquelas infrações penais. Fala-se que um erro judicial para condenar um inocente seria o suficiente para deslegitimar todo o sistema penal, sendo mais justo que se absolva 1.000 culpados do que se condene um inocente.

Esse segundo problema também pode ser amenizado com a investigação defensiva, uma vez que a Defesa terá mais condições de demonstrar uma linha investigatória/acusatória equivocada, podendo inclusive apontar as inconsistências a partir de elementos probatórios, ou apontar outras linhas investigatórias até então desconhecidas ou ignoradas. Com isso, pode-se, por exemplo, chegar a outro suspeito que seja realmente o autor do crime.

A certeza, seja por uma linha ou por outra, é que a investigação defensiva vem para aprimorar os resultados buscados e obtidos na Segurança Pública, através de uma ampliação do campo cognitivo das investigações públicas.

Há, dessa forma, uma finalidade preventiva na investigação defensiva, que serve (i) em alguns momentos para fomentar, através do controle externo, a legalidade na atuação dos agentes estatais; e (ii) em outros para viabilizar as responsabilizações dos eventuais desvios e excessos cometidos por esses mesmos agentes. Sendo importante perceber que a potencialidade da segunda medida, acarreta um efeito pedagógico fomentador da primeira.[13]

Outrossim, pode se falar em um ganho quantitativo da Segurança Pública, diante do vácuo estatal quanto ao tratamento e respaldo dado às Vítimas de crimes, sejam pessoas físicas sejam jurídicas. O que tem-se, pois, é um verdadeiro limbo dos cidadãos e empresas brasileiras, quando muitas vezes são vitimados em crimes, sendo que nem o Ministério Público investiga e soluciona muitos dos casos (por seletividade investigativa) nem a Polícia Judiciária (por absoluta precariedade material e tecnológica).

Surge daí, como já falado, uma oportunidade de ressignificação da advocacia criminal, a partir tanto dos interesses das Vítimas, quanto da valorização de sua função de evitar erros judiciais e equivocadas condenações.

Outros aspectos, um pouco mais delicados, tratam da prevenção às ocorrências criminosas, e a repressão aos delitos. Isto porque existe uma falsa impressão de que o advogado, em especial o criminalista, não tem entre suas atribuições qualquer colaboração, preventiva ou repressiva, com a Segurança Pública. Muito pelo contrário, se imputam injustamente aos criminalistas muitas das mazelas da Segurança Pública, do Sistema de Justiça Criminal e do Sistema Penitenciário, alçando-os, em especial em alguns discursos fáceis vendidos pela mídia marrom, a um patamar quase de inimigos da sociedade.[14]

Infelizmente, passa ao largo dos noticiários e do imaginário popular, por exemplo, a importância do advogado que acompanha e monitora a investigação, apontando precocemente erros e nulidades que poderiam desperdiçar muito da atividade estatal se somente fossem arguidas tardiamente, ou a credibilidade que confere a presença de um advogado a um depoimento/interrogatório colhido em sede policial, ou ainda o importante desempenho de alguns desses profissionais no auxílio direto da persecução penal e das instruções processuais enquanto assistentes[15] das vítimas e acusações.

[1] “Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”

[2] “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)”

[3] “Art. 5º (…) LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; (…)”

[4] “Art. 5º (…) LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; (…)”

[5] “Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: (…)”

[6] DIAS, Gabriel Bulhões Nóbrega. Investigação defensiva e a busca da paridade de armas no processo penal brasileiro. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n. 304, p. , abr. 2018.

[7] “Art. 5º (…) XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; (…)”

[8] Op. Cit.

[9] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. 4ª ed. São Paulo: RT, 2014, p. 490.

[10] Op. Cit.

[11] “Art. 144. (…) I – polícia federal; II – polícia rodoviária federal; III – polícia ferroviária federal; IV – polícias civis; e V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.”

[12] IPEA. Crimes violentos contra o patrimônio. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/link/8/crimes-violentos-contra-o-patrimonio>. Acesso em: 03 maio 2019; FBSP; Atlas da Violência 2018. Disponível em: <http://www.forumseguranca.org.br/publicacoes/atlas-da-violencia-2018/>. Acesso em: 20 maio 2019.

FBSP. Tableau patrimoniais (tabela de crimes patrimoniais). Disponível em: <http://www.forumseguranca.org.br/estatisticas/tableau-patrimoniais/>. Acesso em: 20 maio 2019.

[13] DIAS, Gabriel Bulhões Nóbrega. Investigação defensiva e a busca da paridade de armas no processo penal brasileiro. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n. 304, p. , abr. 2018.

[14]  Por todos: i) CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. São Paulo: Servanda, 2010; e ii) BARBOSA, Rui, 1849-1923. O dever do advogado. Carta a Evaristo de Morais /. Rui Barbosa ; prefácio de Evaristo de Morais Filho. –. 3. ed. rev. – Rio de Janeiro : Edições Casa de Rui. Barbosa, 2002.

[15] CPP – “Art. 268.  Em todos os termos da ação pública, poderá intervir, como assistente do Ministério Público, o ofendido ou seu representante legal, ou, na falta, qualquer das pessoas mencionadas no Art. 31.”

Como já frisado, a investigação defensiva é um poder-dever da advocacia criminal para com os acusados (lato senso), estando implicitamente resguardada nos mais diversos níveis normativos, incluindo o ordenamento jurídico-legal interno do nosso país.[1]

Há muitas Leis as quais podem servir de supedâneo às atividades da investigação defensiva, havendo uma riqueza de contextos fáticos que podem ser submetidos ao advogado, acredita-se que sempre haverá novos diplomas e dispositivos que podem ser demandados em específicas situações.

Nada obstante a isso, ora se enumera algumas ferramentas legais já previstas no Direito pátrio, algumas delas mais recentes e outras mais antigas, sendo que todas atualmente em vigência. Muitas delas estranhas ao Direito Criminal, mas que não por isso se mostram menos importantes ao advogado criminalista no exercício da investigação defensiva.

Nesse ínterim,  são interessantes diplomas como o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei Federal n.º 8.906, de 4 de julho de 1994), a Lei de Acesso à Informação (Lei Federal n.º 12.527, de 18 de novembro de 2011), a Lei de Registros Públicos (Lei Federal n.º 6.015, de 31 de dezembro de 1973), ou ainda a novel Lei de Regulamentação da Profissão de Detetive Particular (Lei Federal n.º 11 de abril de 2017).

Outros dispositivos do Codex Instrumental Penal, ou o Código de Processo Penal, promulgado por meio do Decreto-Lei n.º 3.689, de 3 de outubro de 1941, ainda importarão a essa análise. Apesar de antiquado e de inspiração declaradamente fascista, tendo como referência o CPP Italiano de 1931, denominado Código Rocco, editado sob a égide do regime de Mussolini, com índole eminentemente inquisitória e autoritária.[2]

Está-se a falar, por exemplo, do expresso direito de produzir provas na fase pré-processual da persecução penal, conforme prescrito pelo artigo 14, o qual afirma que “O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade.”.

Outra possibilidade pouco conhecida/utilizada pela advocacia, é a previsão do artigo 242, o qual traz a possibilidade de requerimento para obtenção judicial de Mandado de Busca e Apreensão por “qualquer das partes”, o que traz a possibilidade de obter Buscas e Apreensões com auxílio policial para o acusado e também para o ofendido.

Ainda, é preciso se ter em mente a possibilidade de assistência às vítimas, desde a fase pré-processual. Para tanto, existe a investigação defensiva em assistência às vítimas, sejam pessoas físicas ou jurídicas. Essa assistência pode se dar, inclusive, para a provocação inicial das autoridades públicas, o que pode se dar através de uma Notitia Criminis (ou notícia-crime ou notícia de fato). Tal peça deve ser elaborada com a apresentação de uma narrativa fática, atrelada a uma leitura jurídica e lastreada em elementos informativos, probatórios e/ou indiciários, objetivos e/ou subjetivos. O fundamento legal é o artigo 5º, §3º, do CPP.[3]

Após o oferecimento e recebimento da Denúncia, se pode considerar a atuação como Assistente de Acusação, na figura expressa do artigo 268[4], com o fito de assegurar a observância dos legítimos interesses das vítimas diante do processo penal. Isso visa, também, pavimentar a utura responsabilização cível, ex delicto ou não.

É certo, dessa forma, que uma leitura atenta do ordenamento jurídico posto, permite sob diversas perspectivas e a partir de várias ferramentas a implementação prática da investigação defensiva.

[1]  BULHÕES, Gabriel; LOPES JÚNIOR, Aury; ROSA, Alexandre Morais da. Investigação defensiva: poder-dever da advocacia e direito da cidadania. Conjur. Brasília, p. 1-1. fev. 2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-fev-01/limite-penal-investigacao-defensiva-poder-dever-advocacia-direito-cidadania>. Acesso em: 1 fev. 2019.

[2] FOLGADO, Antônio Nobre. Breves notas sobre o processo penal italiano. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/journals/2/articles/30260/submission/review/30260-31074-1-RV.pdf>

[3] “Art. 5o (…) § 3o  Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito.”

[4] “Art. 268.  Em todos os termos da ação pública, poderá intervir, como assistente do Ministério Público, o ofendido ou seu representante legal, ou, na falta, qualquer das pessoas mencionadas no Art. 31.”

Como se sabe, a advocacia tem uma entidade representativa de classe oficial, que é a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A OAB, por sua vez, tem todo um sistema institucional, que vai desde o Conselho Federal (CFOAB), situado em Brasília – DF e com representações de todos os Estados brasileiros e do Distrito Federal. E existe ainda uma Seccional em cada Estado-Federado, cada qual contando várias subdivisões regionais denominadas Subseccionais.

O órgão máximo da advocacia é o CFOAB, incumbido pela Lei Federal n.º 8.906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil) de editar o Regulamento Geral do referido Estatuto, como norma administrativa e infra legal próprio e vinculante de toda advocacia brasileira.

A Lei n.º 8.906/1994 prevê o poder regulamentador da classe advocatícia ao CFOAB, através da prescrição legal prevista no artigo artigo 54, V[1] do referido diploma. Sendo assim, possui competência para editar o Regulamento da própria Lei (Estatuto), o Código de Ética e Disciplina e os Provimentos que julgar necessário.

A edição do Regulamento Geral do Estatuto é prevista ainda no art 78[2] da Lei n.º 8.906/1994.

O Código de Ética e Disciplina da OAB, por sua vez,  contém somente previsão genérica em seu artigo 21, no sentido de que: “É direito e dever do advogado assumir a defesa criminal, sem considerar sua própria opinião sobre a culpa do acusado”.

O artigo 45 do Código de Ética e Disciplina da OAB, na mesma linha, contém dispositivo igualmente genérico impondo ao advogado “esmero e disciplina na execução dos serviços”.

Por conseguinte, não se necessita de um maior escrutínio acerca das normas administrativas, emitidas pelo CFOAB, e suas respectivas seccionais. Nesse ponto, os já citados são os pontos que eventualmente importam à discussão aqui travada, quanto às normas postas no Código de Ética e Disciplina da OAB (Resolução n.º 02/2015-CFOAB), no Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB (artigo 54, V e 78[3], da Lei n.º 8.906/1994), Resoluções, Instruções Normativas e Provimentos.[4]

Ainda caberá para a advocacia brasileira, por meio da OAB, das associações e da Academia, uma discussão acerca da divisão entre moral e direito, e a relação da moral com a ética da profissão, sempre tendo como norte as diretrizes normativas acima referidas.

Nada obstante a isso, frisa-se mais uma vez a importância da análise do Provimento n.º 188/2018-CFOAB, instrumento normativo regulamentador da atividade da investigação defensiva, assim como a discussão acerca da necessidade de criação dos Códigos Deontológicos e suas respectivas formatações.

[1] “Art. 54. Compete ao Conselho Federal: (…) V – editar e alterar o Regulamento Geral, o Código de Ética e Disciplina, e os Provimentos que julgar necessários; (…)”

[2] “Art. 78. Cabe ao Conselho Federal da OAB, por deliberação de dois terços, pelo menos, das delegações, editar o regulamento geral deste estatuto, no prazo de seis meses, contados da publicação desta lei.”

[3] “Art. 78. Cabe ao Conselho Federal da OAB, por deliberação de dois terços, pelo menos, das delegações, editar o regulamento geral deste estatuto, no prazo de seis meses, contados da publicação desta lei.”

[4] Para consultar, acesse: http://www.oab.org.br/leisnormas/legislacao

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